1966. A critica da jurisprudência dogmática como critica de nossa epoca

A critica da jurisprudência dogmática como crítica de nossa época

A. L. Machado Neto e Zahidé Machado Neto (comps.) O Direito e a vida social. Leituras básicas de sociologia jurídica.  Companhia Editora Nacional. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1966.

(traducción de Antonio Luis Machado Neto)

Mais que uma conveniência, parece hoje uma necessidade que o filósofo participe no convulso diálogo da revolução mundial que estamos vivendo e que não logra ser dissimulada porque a denominemos simplesmente crise. Na base mesma dêsse fenômeno está a questão que, por antonomásia, chamamos hoje a questão social; pelo que, se o capitalismo significa um sistema social e não simplesmente um sistema econômico, resulta legítimo dizer que estamos presenciando a crise da sociedade capitalista; coisa já entrevista com superlativa clareza por aquela Filosofia Social que chegou a ser a única que passa com vida própria do século XIX ao XX; isto é: a única que, correspondendo ao que aquele século em verdade continha como sua própria criação com referência à estrutura social e ao movimento histórico, está hoje, por isto, em nossas circunstâncias, dando-nos situação irremediável na medida em que, como herdeiros diretos daquele século, temos que continuar vivendo-o em seus problemas não-solucionados. Durante os últimos anos me tenho dedicado a estudar esta articulação entre a sociedade capitalista e a Ciência Normativa do Direito, com o objetivo de saldar minha divida a respeito daquela “gnoseologia do êrro no Direito” que tenho anunciada, como preocupação teórica, desde 1944. Minha tarefa fica cumprida com um livro Ideologia y Derecho, de próximo aparecimento. Pois não basta a afirmação unilateral do jurista de que êle faz teoria e de que, por sua radicação científica, está neutralizado com relação às fôrças que lutam pelo Poder Social, para ter por certo que essa neutralidade existe. Pelo contrário, pode-se fazer patente que não apenas o legislador, mas também os juizes e os juristas se pronunciam, em suas sentenças e em seus livros, todos os dias, pelas direitas ou pelas esquerdas em uns casos, pelo totalitarismo ou pela democracia em outros tantos. Não se trata da atitude deliberada que um autor assume como verdade depois de haver abordado o problema, senão daquilo que como ideologia se aderiu em forma inconsciente a sua intenção de verdade.